A questão que levanto é a seguinte: o racismo pode ter fim ou não seria interessante para alguns que ele tenha fim?
Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos, haverá guerra. A frase é atribuida a Bob Marley, mas segundo a teoria da conspiração, ela é de autoria de um pensador anônimo. Enfim, seja de Marley ou de qualquer outro pensador, ela expressa a mais pura verdade e ainda retrata, infelizmente, o pensamento de boa parte da sociedade. Quando se fala de racismo é preciso pisar em ovos para não quebrar a falsa "harmonia" na qual convivemos, ou fingimos conviver. Se um negro fala de racismo, a ele se atribui o famoso "coitadismo" e o tentam "confortar" com o famoso argumento clichê: "Isso é coisa da sua cabeça". Será?
Não vou perder tempo aqui falando sobre a história do negro no Brasil e a origem do racismo e o porquê da desigualdade social que o afeta mais do que os brancos. Isso todo mundo já sabe. A questão que levanto é a seguinte: o racismo pode ter fim ou não seria interessante para alguns que ele tenha fim? Temos presenciado alguns episódios lamentáveis de manifestações racistas, não só aqui no Brasil como em vários outros países. Curiosa ou orquestradamente, isso vem se intensificando principalmente nas redes sociais. Um dos casos mais recentes foi da Jornalista Maria Julia Coutinho, conhecida como Maju e que é a garota do tempo do Jornal Nacional. Ofensas racistas direcionadas a ela foram postadas na página do Jornal Nacional no facebook. Agressões irracionais, injustificáveis e até certo ponto teatrais. No pior sentido do termo. Talvez eu tenha sido um dos poucos negros a desconfiar que aquelas ofensas fossem reais. Não que eu não acredite que o racismo seja potencial em nosso país. Não que eu não creia que alguém seja capaz de destilar tamanha crueldade em forma de injúria racial. Mas sim pelo fato de ter me soado tudo muito estranho. Foi tudo muito explícito e não é bem assim que os racistas costumam agir.
A maioria dos racistas age as escondidas, na surdina, de forma dissimulada. Eles nem sempre costumam externar a sua estupidez. É o tipo que quando se depara com um negro em um ambiente, que segundo ele deveria ser restrito a sua pureza étnica, troca olhares com outro racista enviando telepaticamente a mensagem: "O que esse preto faz aqui?". Tem também o tipo que quando vê um negro na fila de cliente especial no banco, fica na dúvida se aquela realmente ainda é a fila do cliente especial ou se o preto não está na fila errada. Alguns ficam tão em dúvida que ainda perguntam: "Essa é a fila do cliente especial?". Tem também aquele chefe que costuma sempre pegar no pé do funcionário negro, ainda que este seja mais competente do que o funcionário branco. Ainda tem aquele racista que depois de fazer uma piada com negros, logo trata de dizer que tem parentes negros na família e que o seu melhor amigo de infância era preto. Como se isso lhe garantisse alguma imunidade para fazer tal tipo de piada. Muitos desses tinham realmente amigos negros quando criança. Só que era o amigo imaginário. Aquele que é quase da família. E eles o chicoteavam quando ele não queria brincar. Ainda tem aquele racista que mesmo sabendo o seu nome, não o chama por ele. Prefere adjetivos como: "Negão", "Mano" ou "Pelézinho". Ah! "Seu Jorge" também passou a ser muito utilizado. Assim fica mais fácil associar a imagem a pessoa. Imagine um negro chamado Ricardo ou Frederico? Nada a ver, né? Não combina. Se ainda fosse Sebastião, beleza. Poderia chama-lo de Tião. Os Sebastiões que não me interpretem mal, mas é que me lembrei de um professor que ao saber que meu nome era Ricardo, usou o senso de humor que todo racista tem e disparou: "Ricardo não é nome de preto. Nome de preto é Bastião....." e pontuou com a já recorrente frase: "É brincadeira, hein!?". Seguida de um tapinha nas costas com gostinho de "queria te dar era uma chibata no lombo".
Eu poderia descrever mais um sem número de tipos de racistas que existem por aí, inclusive alguns negros também. Por que não? Principalmente alguns que depois que ascendem socialmente passam a usar protetor solar fator 100 de tão branca que a pele fica por conta do contato com o dinheiro e com a nova sociedade a qual agora pertencem. As "Burguesinhas" agradecem. "Entende"? Mas não vou me dar esse trabalho com quem não vale a pena. Isso tudo já tá ficando muito chato e desgastante. As vezes penso que atitudes como a do Funkeiro Nego do Borel, que partiu pra cima de um sujeito que foi ao seu show ofendê-lo com isultos racistas, seriam mais úteis e eficazes do que algumas campanhas de combate ao racismo. Assim como tem quem defenda fazer justiça com as próprias mãos colocando no poste ou dando uma surra nos delinquentes que andam cometendo assaltos e outros tipos de crimes por aí, há também aqueles que assim como o cantor de funk, já estão cansados de tanta impunidade no que diz respeito ao preconceito racial e sabendo que reclamar não resolve decidem usar o braço e promover a igualdade racial a sua maneira. Não podemos julgar quem age assim. Alguns podem interpretar como falta de civilidade ou dizer que violência gera mais violência. Sim, claro. Tanto que é que de tanto nos sentirmos violentados um dia acabaremos reagindo com a mesma violência que nos foi oferecida. Tenho certeza que contaríamos com a compreenssão de todos que agora são Maju. Não é mesmo?
A verdade é que tem muita gente que sente saudades do tempo onde o negro não podia entrar em determinados ambientes, onde piadas e ofensas racistas eram vistas com naturalidade e onde o negro estava sempre no seu "devido lugar". Muitos desses são pessoas "de bem" que hereditariamente contrairam a doença do preconceito. Foram criados por racistas e num ambiente racista. Cresceram ouvindo coisas depreciativas com relação aos negros. Foram educados para se sentirem superiores e como bons alunos executam com muita precisão o que lhes fora ensinado por seus mestres. Por isso estranham quando um negro está em destaque na tv ou quando não é um trabalhador braçal. Não entendem como os negros deixaram de responder "Sim, Sinhô!" e passaram a revidar com: "É tu!". Esses também devem estranhar o fato de farmácia não mais se escrever com "Ph" e o porquê de Hitler não ser mais o manda chuva da Alemanha. Esses não tem interesse em ver o racismo erradicado. Em plena era das vacinas para combater tantos vírus e bactérias ainda não se descobriu uma que cure a ignorância. Talvez pelo fato de não existir cura para uma doença que está na alma.
Somos todos Maju, mas também somos todos Nego do Borel se for necessário. Tá dado o recado!
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