Urgência para o marco fiscal: Haddad e Lira ganharam de lavada
Mas uma parte expressiva da bancada petista não engoliu ainda as travas impostas ao projeto de Haddad pelo relator, escreve Tereza Cruvinel
O governo todo festejou, mas a vitória espetacular na aprovação da urgência para a votação do novo regime fiscal tem dois sócios majoritários: o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Arthur Lira. Haddad foi seu próprio articulador político, negociando diretamente no Congresso, com habilidade e paciência, a aprovação de projeto essencial ao êxito de sua gestão no comando da economia. Lira, por sua vez, entregou o que prometeu para demonstrar ao governo que só ele, com os poderes que reivindica, poderá extrair de uma Câmara conservadora e hostil a Lula os votos de que o Planalto ainda precisará muito.
Em tempo, o que se votou ontem foi a urgência, e não o projeto em si, mas foi um sinal eloquente. O placar também não sugere que o governo tenha uma base de mais de 300 votos. Hoje não tem sequer 200 absolutamente leais. Ninguém se iluda. A direita parlamentar é majoritária, vem fustigando o governo e tem até novas trampas já preparadas.
Mas no caso específico, o governo ganhou com Lira e Haddad jogando juntos. O ministro entregou pessoalmente, numa solenidade, o projeto ao presidente da Câmara, com o discurso que vem fazendo: trata-se de um projeto de Estado, que interessa a todo o país, não apenas ao governo Lula. Por isso se dispunha a discuti-lo com todos, não só com a base governista, buscando o voto de todos. Lira também disse o tempo todo que o tal arcabouço não podia ser contaminado pela polarização governo x oposição. Indicou para relator o deputado Cláudio Cajado, de sua inteira confiança, certo de que ele faria um substitutivo favorável, mas com um viés de endurecimento que agradaria à direita.
Não estou minimizando o papel que o presidente Lula teve na preparação da vitória de ontem. No dia 2 de maio, horas antes de a Câmara suspender a votação do projeto de combate às fake News, por falta de votos, ele teve uma conversa franca com Lira. E ali entendeu duas coisas. O presidencialismo de coalizão não é mais o mesmo. Não basta compartilhar o governo com partidos supostamente aliados. A partir do governo Temer, o Congresso ampliou seu poder sobre o orçamento, impondo a execução obrigatória de emendas. Sob Bolsonaro, avançou mais inventando o orçamento secreto, agora suprimido. Nem por isso, a fome acabou. O que deputados querem é, mais que tudo, a liberação de recursos para suas bases. Depois da conversa com Lira, Lula cobrou agilidade em nomeações e liberações. Nos últimos dias o governo começou a liberar os R$ 9 bilhões de restos a pagar do orçamento secreto, e também um grande volume de emendas individuais. Isso contou muito para o resultado de ontem.
A outra coisa que Lula compreendeu, e que Haddad já tinha entendido, é que Lira quer ser o mediador do acesso ao orçamento. Com Bolsonaro era ele, e não um ministro palaciano, que dizia quais deputados deveriam ser premiados com liberações. Era como se ele alugasse ao governo (Bolsonaro) a sua própria maioria. Mas isso tinha preço. É isso que ele quis mostrar ao governo ao abraçar o projeto de Haddad e trabalhar por sua aprovação.
Os dilemas do PT – Para a votação decisiva da semana que vem, nem tudo está resolvido, é claro. Uma parte expressiva da bancada petista não engoliu ainda as travas impostas ao projeto de Haddad pelo relator. Elas colocam limites e restrições punitivas em caso de descumprimento das metas. O texto de Haddad limitou o gasto a 70% do crescimento da receita, e variando entre 0,% e 2,5% acima da inflação. O relator introduziu as “punições” para quando os limites forem descumpridos. O governo ficará sujeito a restrições, como não aumentar as despesas obrigatórias acima da inflação, não conceder aumentos reais de salários, não realizar concursos, não conceder incentivos fiscais e outras mais. A pedido de Lula, deixou fora das restrições os aumentos reais para o salário-mínimo mas não os gastos com o Bolsa-Família.
Os deputados do PT, começando por sua presidente, Gleisi Hoffmann, abriram fogo contra as mudanças do relator. Um dos críticos mais duros, o deputado Lindbergh Farias, foi excluído da CPMI do golpe, por suposta retaliação. Na segunda-feira, Lula mandou dizer ao partido que não admitiria defecções nas votações da matéria.
Ontem os petistas foram disciplinados, tanto na votação da noite como pela manhã, quando Haddad enfrentou uma sabatina de 3 horas com deputados de três comissões reunidas. Em algum momento o bolsonarista Francischini resolveu dizer a Haddad que a verdadeira oposição era feita pelo PT, sob o comando de Gleisi. Citada, ela defendeu o direito ao debate e à divergência dentro do partido, reiterando porém que o PT jamais faltaria ao governo. Recebeu depois uma declaração cavalheiresca de Haddad, que se disse orgulhoso de ser filiado a um partido liderado por uma mulher valente e guerreira como ela.
Os bolsonaristas o atacaram muito, sendo que um deles, o deputado Evair de Melo, resolveu dizer que o ministro era “limitado”. Levou uma invertida, em que Haddad disse não reconhecer moral para chamá-lo assim em que apoiou alguém tão limitado como Bolsonaro. Sem pedantismo, citou seus títulos obtidos na USP, em economia, direito e filosofia.
Mas, se ontem os petistas votaram em bloco pela urgência, na semana que vem, na votação do mérito, insistirão em derrubar ou afrouxar as travas do relator. Pedirão destaques para votação em separado de algumas delas. Não terão votos para ganhar, mas marcarão posição.
Quem votou contra: PSOL, PL e Novo – Os 102 votos contrários não vieram em bloco do partido bolsonarista, o PL, que tem uma bancada de 99 deputados. Uma parte do PL votou a favor da urgência e votará a favor do governo no mérito. O PSOL também votou contra, invocando sobretudo a trava sobre o crescimento dos gastos com o Bolsa Família em caso de descumprimento de metas.
Outro que votou contra foi o Novo, defendendo mais tempo para o debate nas comissões. Mas isso não surpreende. Já a posição do PSOL devia preocupar o governo. Terá sido um caso pontual ou o partido ensaia ir para a oposição? Isso colocaria em risco o acordo pelo qual o PT apoiará Guilherme Boulos como candidato a prefeito de São Paulo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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