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Marcia Tiburi

Professora de Filosofia, escritora, artista visual

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Sobre o luto e a morte de David Miranda, Rita Lee e nós

Estar vivo significa continuar construindo sentido e a memória dos mortos faz parte disso

Roberto de Carvalho, Rita Lee, Glenn Greenwald e David Miranda (Foto: Reprodução/Instagram)

 Nessa semana, o Brasil perdeu duas pessoas públicas que deixam muita saudade. O deputado David Miranda morreu depois de meses na UTI lutando contra uma doença que durou meses. David completaria 38 anos no dia de seu funeral. A morte de uma pessoa tão jovem sempre comove e, mais ainda, a quem conheceu sua trajetória de vida. David era um sobrevivente, um menino que havia perdido a mãe e havia sido criado por uma vizinha. Tendo ele mesmo, junto com seu marido, adotado 3 meninos, David sabia da importância da solidariedade e da generosidade.  

 Uma pessoa que sobrevive à condenação por classe, raça e sexualidade e que, superando o contexto, passa a lutar pelos outros, merece todo o respeito e admiração. Considerando a miséria moral e política do congresso nacional, uma pessoa como David vai fazer muita falta na esfera publica, tanto quanto deverá fazer aos filhos que ele deixa.  

 Sofremos também com a morte de Rita Lee que deixa um vazio imenso na cultura popular brasileira. Um extenso legado musical no consola. Rita Lee nos deixou canções - e livros - que alegravam, mas também passavam mensagens de amor, coragem, liberdade e ousadia. A impressão que Rita passava era de que ela se divertia sendo ela mesma. Rita foi uma pop star que não precisava posar de pop star.

 Renunciando a ser rainha na sociedade do espetáculo, ela era democrática demais para fazer cena na monarquia da fama, sendo livre por dentro e por fora, sem chatice ou simulação. Ela parecia intima de todos nós, admiradores e fãs, porque Rita era pura alegria e luz, abertura ao outro, amor para todo lado.  

 A ausência de uma pessoa gigante se transforma em memória. A cultura musical brasileira recebeu muito dessa artista generosa e a gratidão é o sentimento que surge no luto que sentimos por ela.

 Eu fiquei muito triste com a perda dessas pessoas. Pensando nesse sofrer que se sente pelas pessoas públicas, pensei no reconhecimento de sua importância na comunidade. A importância do reconhecimento é ainda maior numa época em que o ressentimento impede a gratidão. O contrário da gratidão é a inveja, mas o ressentimento que nos impede de amar, faz parte disso.  

 As famílias perdem seus entes queridos, o povo perde as pessoas que melhoravam a esfera pública de um país como o Brasil, cuja esfera pública anda tão empobrecida.  

 Certamente, quando a morte chega – a morte dos outros, pois só experimentamos a morte dos outros, a nossa, como dizia Epicuro, chega quando já não estamos - aprendemos também a saudade, aprendemos a falta que uma pessoa faz e o luto não é outra coisa do que esse trabalho de aprender a viver a perda.  

 Aprende-se também que é preciso meditar e refletir sobre sentido que a vida pode ter e que precisa continuar sendo produzido à cada dia, apesar de tantas vezes ela parecer sem sentido.  

 Estar vivo significa continuar construindo sentido e a memória dos mortos faz parte disso. A morte não deveria existir, nem o sofrimento e nem o luto, mas eles existem e, existindo, nos obrigam a pensar no que faz sentido e viver da melhor forma a partir disso, tanto a vida íntima quanto a vida comunitária, social e pública.

 E pensando nisso, vai a pergunta: o que legaremos aos outros quando chegar a nossa vez? Nessa pergunta reside a importância que damos à vida num mundo onde há gente tão negligente que pensa que não vai morrer e que viver é apenas uma questão de aproveitar cada segundo como se nenhum comprometimento com o existir fosse uma questão. Pois nos tornamos seres humanos, seres genéricos pertencentes a essa espécie, por que meditamos sobre a morte.  

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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