Os limites do ‘frente amplismo’ e o avanço da ultradireita na América do Sul
A extrema direita parece avançar sob os escombros de governos frentes amplistas ou que moderam o programa após a vitória nas urnas
Além dos efeitos da crise climática e ambiental, algo acontece abaixo da Linha do Equador que eleva também no plano político a temperatura nos países da América do Sul, em particular na sua porção que integra os países do Mercosul. Trata-se da polarização política e social em curso que atravessa de forma visceral o Brasil, a Argentina e o Chile.
O Uruguai já é governado por um governo neoliberal de direita e no vizinho Paraguai venceu as recentes eleições presidenciais o direitista Santiago Peña, do Partido Colarado. Uma versão local do bolsonarismo, com o belicoso Payo Cubas, atingiu cerca de 23% dos votos.
Vejamos um rápido panorama do cenário, que é entrecortado por uma série de particularidades e ritmos políticos diferenciados em cada nação, mas que carregam um traço em comum: a adesão do conjunto das classes dominantes locais ao projeto de recolonização neoliberal e ao rentismo, como forma prioritária de acumulação.
A extrema direita parece avançar sob os escombros de governos frentes amplistas ou que moderam o programa após a vitória nas urnas.
Chile
No Chile, a derrota acachapante de Gabriel Boric, neste domingo (7), para a composição do conselho que redigirá uma nova proposta de Constituição, indica uma tendência preocupante.
O Partido Republicano (PR), legenda de ultradireita e liderada por António Kast, obteve 35% de apoio e conquistou 22 das 50 vagas no Conselho Constitucional, com isso, assegurando o poder de veto para a ultradireita na redação da nova Carta Constitucional. A coligação de Boric atingiu 28% dos votos e terá 17 assentos no conselho. Por sua vez, a coligação Chile Seguro, que reúne políticos da direita tradicional e velhos pinochetistas da UDI, alcançou 21% dos votos e 11 lugares. Ou seja, os blocos das direitas concentram a maioria dos assentos do conselho constitucional.
Nos últimos meses, o governo de Boric tem colecionado derrotas. Em setembro do ano passado, uma primeira proposta de revisão da Constituição foi rejeitada em um plebiscito por mais de 60% dos eleitores chilenos. Além disso, o governo adotou uma política de ajuste fiscal, que desagrada amplos setores da população. Vale lembrar que o governo de Boric ainda não completou dois anos de mandato.
Argentina
O presidente Alberto Fernández amarga forte queda de popularidade: inflação galopante, desemprego em alta e a relação submissa com o Fundo Monetário Internacional (FMI) são questões que despertam a ira do povo trabalhador diante da tibieza presidencial. As tentativas de mitigar a execução do projeto neoliberal não agradaram a maioria dos argentinos.
O quadro fica mais difícil ainda com a divisão política entre as forças peronistas e o avanço da extrema direita liderada por Javier Milei, do partido La Libertad Avanza, com uma pregação ultraliberal, que se autodenomina “anarcocapitalista”, atraindo fortemente o eleitorado mais jovem.
Javier Milei, que tem uma atuação de tipo populista e histriônica, lembrando o ex-presidente Jair Bolsonaro, atinge em algumas pesquisas para a futura eleição presidencial, marcada para 22 de outubro, cerca de 20% das intenções de votos.
O cenário vivenciado pelos hermanos é um indicador dos limites e do curto prazo de validade das políticas conciliadoras e de frente ampla com segmentos e frações da burguesia liberal.
O presidente Alberto Fernández desistiu de disputar a reeleição e a vice-presidente Cristina Kirchner é o alvo de intensa campanha de descrédito conduzida por setores do Poder Judiciário argentino — uma campanha de lawfare com muitas semelhanças ao processo que levou o presidente Lula para a prisão, em 2018.
O resultado eleitoral do Chile e o esvaziamento do governo argentino são também um sinal de alerta para as forças de esquerda e populares no Brasil, o que aponta para a necessidade da constituição de um polo de esquerda para disputar, com nitidez programática, os rumos do governo da “frente ampla” de Lula/Alckmin.
Um polo partidário nucleado pela esquerda, em sintonia com as demandas populares, tendo no centro da agenda o combate ao neoliberalismo e a perversa herança da política econômica do governo bolsonarista, com uma agenda política capaz de despertar e mobilizar a esperança de milhões de brasileiros — enfrentando as mazelas do desemprego, o desmonte dos serviços públicos de educação, saúde e da assistência social, o terror da inflação, da fome e do desalento.
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