O julgamento do bolsonarismo
O estranho pedido do advogado de Bolsonaro para que o TSE não trate os delitos como um embate entre civilização e barbárie
Passou batida, como se fosse um apelo retórico irrelevante, a tese defendida pelo advogado de Bolsonaro no TSE na semana passada.
O que Tarcísio Vieira de Carvalho disse não foram apenas frases de efeito. O advogado apresentou o lastro da argumentação pela absolvição do seu cliente ao afirmar:
"Não está em julgamento, como quer se fazer crer, o bolsonarismo”.
E esclareceu que o objeto da ação no TSE era apenas a reunião de Bolsonaro com os embaixadores, em julho do ano passado, quando o sujeito pôs em dúvida o sistema eleitoral.
E o advogado arrematou:
"Não se está a arbitrar uma disputa sangrenta, imaginária, entre a civilização e a barbárie".
O defensor de Bolsonaro deu corda para a suposição de que o julgamento no TSE é parte disso mesmo, do enfrentamento do bolsonarismo como uma expressão da barbárie.
Foi o advogado quem trouxe à pauta, como ninguém havia feito antes e com tanta ênfase, o que os casos eleitorais de Bolsonaro podem amplificar mais adiante.
Claro que, indo em frente e alargando o raciocínio do advogado, o julgamento no TSE não está para o bolsonarismo como Nuremberg esteve para o nazismo.
Mas começa no exame dos delitos eleitorais o processo, para muito além de questões jurídicas, de defesa da civilização diante do avanço do novo fascismo na versão verde-amarela.
A morte política de Bolsonaro, se confirmada com a sua inelegibilidade, pode não significar, ainda, o fim da barbárie por ele liderada, mas é disso que precisamos falar.
O advogado correu o risco de quem se agarra ao arame farpado. Sua argumentação de que a reunião foi “franciscana” e apenas tratou do sistema eleitoral seria o razoável e o previsível.
Mas Vieira de Carvalho arriscou-se a levantar a suspeita de que o bolsonarismo, e não aquela reuniãozinha, está em julgamento.
No contexto do que passa a acontecer, seria o bolsonarismo, em todas as suas formas, que se encaminharia para o grande júri aguardado desde antes da eleição do ano passado. Seria a hora da reparação.
Ele está certo. Não há como ver Bolsonaro isoladamente, como se fosse uma figura apartada das crueldades e dos crimes que produziu. E os ilícitos eleitorais não irão encerrar a caracterização e o enquadramento dos seus desatinos.
Falta examinar a barbárie pela abordagem criminal. O desfecho do que acontecerá no TSE abrirá a perspectiva de que todo o resto deixa de ser represado pelo sistema de Justiça, como aconteceu durante quatro anos.
Discutir o sistema eleitoral "não deveria ser tabu", segundo o advogado de Bolsonaro. Convocar embaixadores para tal debate, muito menos.
Nem continuar alardeando, depois da reunião, que a eleição poderia, de novo, ser fraudada.
Tudo, para a defesa, é considerado normal e sem relação nenhuma com um confronto entre civilização e barbárie, ou entre democracia e golpismo.
Mas essa semana, com a condenação de Bolsonaro pelo TSE, o que irá se decidir é muito mais do que a ilegalidade de uma fala numa reunião com embaixadores.
Será a condenação de alguém envolvido na articulação de um golpe. O advogado anteviu o que irá acontecer.
O que o TSE deflagra e deve se estender a todos os desmandos de Bolsonaro e seus cúmplices, entre os quais a matança da pandemia, é mesmo o julgamento dos crimes sangrentos do bolsonarismo.
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