Moeda de troca no Congresso: menos ministérios, mais dinheiro na veia
"O governo trata hoje com deputados e senadores viciados em doses cavalares de dinheiro nas veias", avalia Helena Chagas
Para quem ainda tinha dúvidas, Lula deixou claro, lá de Londres, que não vai entregar a cabeça de Alexandre Padilha a Arthur Lira. Corrigiu com elogios cobrança que fizera ao ministro em tom de brincadeira, na reunião do Conselhão, mas que acabou por deixá-lo mais exposto na atual maré desfavorável no Congresso. Substituir Padilha — articulador competente e leal — seria hoje, como na piada infame, tirar o sofá da sala. Na realidade, o presidente parece estar percebendo que governar com o Legislativo de 2023 é desafio muito maior do que em 2003, ou em 2007, e não só pela maioria conservadora. A grande mudança, subestimada até agora, é na moeda de troca do apoio parlamentar.
Além de um Legislativo fortalecido e mal acostumado com a postura de presidentes da República que abriam mão de governar em troca de não sofrer impeachment, como Michel Temer e Jair Bolsonaro, o governo trata hoje com deputados e senadores viciados em doses cavalares de dinheiro nas veias. As emendas sempre existiram, mas foram usadas de forma mais intensa na era Eduardo Cunha, e chegaram ao grau máximo de abrangência e valor com Arthur Lira — que teve o orçamento secreto nas mãos até o STF, em dezembro passado, acabar com a brincadeira.
Agora, a boca torta acostumada ao cachimbo grita. Cerca de R$ 9 bilhões em emendas individuais passaram à gestão do Executivo, que decide quando liberá-las — e há queixas sobre a demora, mais responsabilidade da Casa Civil do que de Padilha, diz-se. Lira, ressentido pela perda de seu mecanismo de manejo da vontade parlamentar, mandou um aviso claro aos navegantes do Planalto sobre as insatisfações dos deputados — e dele, claro.
Se, na tentativa de votação do PL Fake News, o presidente da Câmara foi sócio no fiasco, no dia seguinte não houve equívocos na acachapante derrota do Planalto no decreto do marco legal do saneamento. O contexto terá sido um desentendimento de Lira com Rui Costa sobre liberação de emendas, mas o deputado encurralou o governo. Forçou o anúncio do pagamento de quase R$ 2 bi e a promessa de mais.
O que Lula não previa, ao tomar posse, é que outra moeda de troca, a concessão de ministérios, estaria tão desvalorizada no mercado parlamentar. Ao dar nove ministérios a MDB, PSD e União — três para cada — pensou resolver o problema. Só que não. Nos dias de hoje, a concentração partidária forçada pela lei diminuiu o número de legendas, mas aumentou sua fragmentação interna. Ao conceder ministérios a um partido, você tem grandes chances de desagradar mais gente do que agradar.
Veja-se o caso do União (DEM + PSL). A fatia do senador Davi Alcolumbre ficou muito satisfeita. Mas a bancada da Câmara não se sente representada por Daniela Carneiro (Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações), declarou-se independente e, semana passada, votou majoritariamente contra o governo.
Para alguns, chegou a hora de Lula fazer a primeira reforma ministerial. Uma sacudida para a turma tomar jeito e trabalhar junto à bancadas. Mas há sérias dúvidas sobre a efetividade desse movimento, ou seja, se não levaria a uma situação muito semelhante à de hoje — agradar certos grupos, desagradar outros.
Entre aliados, há também a avaliação de que o presidente precisa, pessoalmente, fazer mais articulação política. Envolvido numa forte agenda internacional, e talvez sem a mesma paciência de vinte anos atrás, Lula estaria se dedicando pouco ao varejo parlamentar — receber deputados para o cafezinho, ouvir seus pedidos, levá-los em viagens e outros agrados. A boa notícia é que, agora, ele vai atuar mais. Mas é um trabalho lento — afinal, não dá para conversar com 513 numa semana.
Em tempo: apesar de toda a desarticulação, a situação não é desesperadora no Congresso, ao menos ainda. O Planalto tem garantida a maioria na CPI do 8/1 e há poucas dúvidas em relação à aprovação do arcabouço fiscal — que, se bobear, vai levar mais torpedos do PT do que dos partidos de centro e direita. Da narrativa, porém, vai ser difícil escapar: o governo vai ter que mergulhar mais fundo no poço do fisiologismo parlamentar se quiser governar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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