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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Gabriela Cid: "o presidente pediu"

Uma das mensagens vazadas da esposa de Mauro Cid revela que Bolsonaro pedia mais público em Brasília para engrossar o golpe e impedir que Lula subisse a rampa

Bolsonaro e militares (Foto: REUTERS/Adriano Machado | José Cruz/Agência Brasil)

No documento de 66 páginas disponibilizados pela Polícia Federal à sociedade, depois da publicação de parte dele na Revista Veja, em que se pode ler em detalhes todo o passo a passo do golpe, é necessário que nos atinemos a alguns detalhes.  

O primeiro deles e fundamental é saber que – conforme está registrado em várias fotos pelos arquivos da mídia, o celular do tenente-coronel Mauro Cid era praticamente uma extensão do celular de Bolsonaro. Há flagrantes do ajudante de ordens mostrando a tela do seu celular para o presidente em várias situações.  

Importante também seria que a PF divulgasse a listagem completa dos 101 nomes dos integrantes do grupo que engendrava as manobras e avanços das estratégias golpistas.  

É visto que as senhoras Gabriela Cid (mulher do tenente-coronel) e Tyciana Villas Boas (filha do general Villas Boas, organizador, juntamente com o Alto Comando do Exército, do tuíte que mandou Lula para a prisão), tinham a ajuda de uma outra integrante, de nome Myrian Stein.  

As três trocam mensagens freneticamente nos dias que antecederam à posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentando impedi-la. Pedem mais público, mais empenho e, Gabriela, em uma certa mensagem, não deixa dúvida. Certamente, será destaque na peça do processo a sua mensagem, onde aponta: “o presidente pediu”. O presidente em questão é Bolsonaro, que embora derrotado na eleição, ainda detinha o cargo (seu por direito até o dia 1 de janeiro). Na mensagem de Gabriela (que posou de desentendida no depoimento sobre os cartões de vacina), o que o presidente pedia, era mais público em Brasília para engrossar o golpe e impedir que Lula subisse a rampa. E esse “não subir a rampa”, era a palavra de ordem do general Heleno, conforme ficou claro numa entrevista/relâmpago que ele deu ao ser perguntado, quando estava dentro do seu carro, se isso aconteceria: a posse. Heleno foi categórico: “não”.

O plano e os documentos nele anexados – um deles um questionário devidamente respondido pelo jurista Ives Gandra, norteando a elaboração das medidas a serem tomadas após a execução vitoriosa do golpe, desenham e não deixam nenhuma ponderação sobre os desdobramentos e providências. Nesse ponto o que se vê é inarredável, inquestionável e conclusivo. Apesar de ter a assinatura do documento bloqueada por algum dispositivo na hora da reprodução, não é possível desmentir que tenha sido assinado pela única autoridade possível. Apenas ele, e somente ele, o presidente, usaria a expressão – deixou ali o seu DNA – “dentro das quatro linhas da Constituição”, para decretar o “estado de exceção” ou o “estado de sítio”. Medidas habitualmente só usadas em guerras e conflitos.

Tudo prontinho e devidamente elaborado, faltando apenas a ação, para jogar o país sob o jugo do autoritarismo militar novamente, incluindo a prática de torturas. “Vai ter careca sendo arrastado por blindado em Brasília”, descreveu um dos oficiais.  Houve, porém, a hesitação de Bolsonaro, o que exasperava os demais 100 integrantes do grupo de zap. Um deles, o mais exaltado, o coronel Jean Lawnd Junior, chegou a pedir “pelo amor de Deus”. Bolsonaro, porém, não partia para a ação, de acordo com Mauro Cid, por não confiar na adesão do Alto Comando. (Vejam que em nenhum momento Cid rechaça a ideia de golpe).

Tinha razão. O Alto Comando – dividido entre os seus 16 integrantes, não escondiam a antipatia por Lula no poder -, mas sabiam o quanto o país ficaria enfraquecido sem o apoio estadunidense (foi o primeiro país a reconhecer a vitória de Lula), e não engoliam um ex-integrante do Exército Brasileiro que escapou de ser expulso de suas fileiras por um acordo. Eles, sim, não confiavam no estilo tosco, despreparado e intempestivo de Bolsonaro.  

Ele, por sua vez, sabia que os militares sonharam desde que deixaram o poder, numa transição negociada em 1985, numa volta para – devaneio deles – “limpar” a imagem deixada pelos “gorilas” truculentos de então. Não seria com Bolsonaro. Não seria entregue a ele, a cadeira presidencial.  

Basta lembrar o que fez Costa e Silva em 1964, que se aboletou no “Comando Supremo da Revolução”, (no contexto do Ato Institucional nº 1) com colegas da Marinha e da Aeronáutica, dias depois da derrubada de Jango, escanteando o “comandante das tropas vitoriosas”, o general Mourão Filho.  

Deu-se o impasse. Nem os militares avançavam porque avaliavam a falta de apoio estadunidense, da mídia e de parcela significativa da sociedade – parte do empresariado -, nem Bolsonaro ousava agir, pois sabia que não podia contar com o Alto Comando. Tinha as tropas (?), como descrito por Lawand Junior, mas não tinha a bênção do CE. Não arriscaria a própria pele liderando uma convulsão social para forçar o decreto de uma GLO – naquele momento uma de suas prerrogativas -, para colocar no poder o general Marcos Freire Gomes, ou o general Júlio Arruda, ficando ele “no ar, antes de mergulhar”.

A esta altura, havia apreensão no grupo de 101 militares da ativa, no zap. Um deles, pertencente aos que se autointitulavam Dosssss, de nome Gian – servindo no Rio, basta observar o telefone, de prefixo 21 e pelo que diz, professor -, lamentava que a estratégia com feições modernas, à luz do “lawfare”, seria usada, na sua interpretação, pelo grupo que chegava ao poder.  

“Guerra 2,0, aproximações sucessivas e indiretas. Su Tzu puríssimo do Séc. XXI. Estão tomando o Poder sem disparar um tiro, com lawfare, expressão militar do PN em segundo plano, esforço principal em manobras jurídicas e políticas, com Op Info moldando o psicossocial... perderam as guerrilhas rurais e urbanas do Séc. Passado, para se reinventarem no globalismo/progressivo socialista. Puta que o pariu, TUDO O QUE ADOTAMOS E SABEMOS, mas ficamos amarrados no POLITICAMENTE CORRETO... Daremos muita ênfase por aqui nesta disciplina do CFEsp, se Deus nos permitir, Deus é Grande, e será!”

Um dos seus interlocutores, identificado como Ferreira Lima, conformou-se: “não vai rolar mesmo”.

“Gian” já pensa em providências para se colocarem “à salvo”, antecipando tudo o que aconteceu na noite do 8 de janeiro. Observem o que ele recomenda:

“Já pensem como protejerão (sic) as nossas famílias... talvez deveremos (sic) isolá-los dentro dos nossos quartéis, MAO, GYN e Imbuy, Pcp dos Of e Sgt FEsp e Cmdos.”  

Exatamente como fez o general Arruda, ao posicionar blindados contra o interventor Ricardo Capelli e a turma da PM que o acompanhou para prender o que se encontravam no acampamento na frente do Comando do Exército na noite do golpe, e que evitaram a prisão possivelmente de Gabrielas, Aparecidas, Myrians, Ticyanas e outras “aguerridas” de verde e amarelo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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