Estruturas democráticas que aí estão
Parece-nos que o silêncio está sendo regiamente comprado
Os jornalões espernearam, mas caem no ridículo quando tentam defender a forma de democracia deles e não a de todos. Mesmo assim, a Folha de S. Paulo nos espantou com o editorial “Bolsonaro de volta”, no dia anterior ao da mentira e do golpe de 1964 (31/3), desde as primeiras horas da madrugada em que esteve disponível no site para leitura. Depois, mudou a versão online para igualar à impressa, mas os leitores estavam atentos à atrocidade ali cometida. Se foi ato falho, revela-se o jornal que já conhecíamos; se alguém tentou furar o bloqueio, precisaria deixar claro quem foi o autor da proeza e ter dito se o manteve ou não em seu corpo editorial. Entre afirmar que “o bolsonarismo pode dar vigor à política” e “liderar uma oposição saudável” há um abismo que não pode ser apenas “erro da Redação” para uma “conclusão diferente”. A versão final publicada já contém elementos atenuadores ao ex-presidente, esquecendo sua gestão criminosa nos últimos quatro anos.
O ombudsman pegou muito leve com a Folha, pois, além da contradição e da postura de passar pano para o bolsonarismo naquele revelador editorial, no dia seguinte o jornal selecionou apenas comentários favoráveis de leitores na edição impressa do Painel do Leitor, representando menos de 1% do total de comentários desfavoráveis no próprio site. A Folha não publicou, é claro, este comentário, que apenas foi enviado à Redação para que eu não seja conivente com essa deturpação da tragédia que foram os anos do governo anterior.
O Estadão também tem cumprido sua parte nesse papel, desprezando o restabelecimento democrático e republicano que veio com o governo Lula. Ainda assim, o resumo da tragédia que foram os anos e desmandos do governo passado ficou representado no editorial “Bolsonaro não pode ficar impune” (26/3). Porém, são tão explícitos os crimes cometidos pelo ex-presidente e límpidas as provas e evidências, que tudo pode ser ignorado pela Justiça macunaímica brasileira. Estamos atentos, pois, dentro do devido processo legal, para que tal cidadão adentre a única instituição pública que lhe cabe: a cadeia.
Por outro lado, no domingo de Páscoa, fez bem a Folha dar espaço aos presidentes do Poder Legislativo para explicitarem suas posições e opiniões quanto a possível mudança no rito de análise e votação das Medidas Provisórias. Há também que se considerar que a paridade alardeada entre deputados e senadores como ponto central da discussão é imperfeita, uma vez que a eleição para a Câmara é proporcional, sendo que a somatória dos votos dados a deputados e seus partidos é quase sempre menor que 50%, enquanto que, para o Senado, a eleição é majoritária e os eleitos sempre foram os mais votados. De qualquer forma, pareceu irônico os dois políticos avocarem desprendimento de qualquer desejo pessoal no embate que travam. Isso porque não existe vácuo de poder. Arthur Lira conseguiu ocupar o espaço explicitamente abandonado por Jair Bolsonaro e ali se manteve. Lula teve que negociar com o presidente da Câmara nessa base, ou seja, em desvantagem desde o início. Lira que não ilustra a poesia, para ficar claro.
Há opinadores políticos que defendem a extinção do cargo de vice, em todos os níveis governamentais, alegando que já não possuem a importância e necessidade de antes, dos tempos em que a mobilidade e comunicação eram precárias, motivados também por constatações de gastos inexplicáveis de Hamilton Mourão quando ocupou tal posição. Fico pensando como o Geraldinho de Pindamonhangaba iria se sentar na cadeira de presidente da República, extinta que seria a figura do vice? Ironias à parte, faz tempo que os vices têm funções atribuídas na legislação além de substituir o titular. O pouco caso com o dinheiro público de Mourão foi para seguir tanto o mestre quanto sua natureza militar, que se supõe acima de tudo. Aprimoremos as funções e os gastos, mas não restringir a prática política.
Por falar nisso, a participação de ocupantes de cargos militares nas tentativas de subtração de presentes dados ao Estado brasileiro em nome do ex-presidente, junto ao caráter ambíguo com que outros representantes das Forças Armadas se portaram frente à tentativa do golpe de 8 de Janeiro, são aspectos recentes da onipresente e eterna corrupção militar no Brasil. Parece-nos que o silêncio está sendo regiamente comprado. Lembremos que o sujeito ativo dessas ações são os que alçaram o insignificante Bolsonaro à condição de representante-mor da extrema direita criminosa, um deletério conjunto de armas e gente de “bens”. Esses continuarão impunes mesmo que o ex-capitão perca seus direitos políticos e alguns anéis. Ouro e chumbo se amalgamaram muito bem sob o sol tropical.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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