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Pedro Maciel

Advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007

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“Então eu sou comunista”

O Padre Milton foi acusado de ser comunista, um pecado mortal para os incivilizados apoiadores da ditadura e para seus lacaios

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 “se oferecer alimento a quem tem fome, acolher os miseráveis e os pecadores é ser comunista, então sou comunista; se operar para que cada pessoa tenha dignidade, emprego, casa, saúde e educação é ser comunista, então sou comunista.” Padre Milton Santana

A estupidez viceja, tem sido comum esbarrar em gente sem discernimento ou senso, que reproduz múltiplas asneiras.  E o pior: algumas dessas pessoas pertinho de nós, não sabíamos que elas eram tão estupidas. O que elas têm em comum? São majoritariamente bolsonaristas ou antipetistas.  

 A estupidez é legado toxico de Bolsonaro, e ela, aliada da mediocridade, alimentada pela vileza, ressuscitou porcarias como as teorias da Escola Superior de Guerra (vou escrever sobre isso noutro momento).  

 Há pessoas, de todos os graus de informação e formação, que acreditam que há no país um exército comunista pronto para tomar o governo; que Lula editou um decreto que vai “tomar nossas casas e nossas fazendas”, que o STF é um órgão fraudador que garantiu a vitória de Lula e que a família Bolsonaro é “o caminho a verdade e a vida”, dentre outras tantas bobagens.

 Essa é a extrema-direita: criminosa.

 Do fundo do meu coração tento conversar com pessoas que, de boa-fé, deixaram-se cooptar pelo mal que o olavismo, integralismo e o bolsonarismo representam; recorro a documentos históricos, conteúdos jornalísticos idôneos, até geopolítica estou estudando para conversar, mas aos zumbis bastam as “informações” de WhatsApp e os conteúdos mentirosos do Facebook ou do Instagram.  

 A última asneira que li veio da Bahia.  

 Um conhecido, quase septuagenário, referindo-se ao Lula escreveu: “Ele mesmo falou que estava preparando para tornar o nosso país comunista. Ele falou em alto e bom som que tem orgulho de ser chamado de comunista e agora, junto com Alexandre o Grande, a censura já está sendo implantada.”.  

 Espero que o meu amigo não tenha enviado essas sandices para mais ninguém, pois é muita estupidez dita por alguém de tão bom coração e que mudou-se para Salvador para viver o ocaso da vida com apenas “um velho calção de banho”, com “um dia pra vadiar”, pois Lula não é comunista.  

 Quase metade da população brasileira acredita que é governada por um comunista, e Lula também não ajuda, pois faz de tudo para manter como “verdade”, que fez parte da narrativa da campanha de Bolsonaro.

 O escritor Fernando Morais, autor da biografia "Lula" (Volume 1) afirmou: "Lula nunca foi um comunista e nunca o será. Em toda a sua vida, ele nunca teve qualquer relação com o Partido Comunista".  

 Oliver Pieper escreveu no www.dw.com que Fernando Morais conhece “o antigo e novo Presidente” há quase meio século e que ele perguntou a Lula, na véspera da sua prisão por alegada corrupção, em 2017, se ele era ou não um comunista de coração. A resposta de Lula foi: "Em 1980, eu tinha meio milhão de trabalhadores atrás de mim, e impedi uma greve. Se eu fosse comunista, teria então iniciado uma revolução”.

 Lula é um líder popular, mas é um líder social-democrata que tende ao centro, tanto que transita bem em ambientes antinômicos. Não se pode esquecer que durante o seu primeiro período na presidência, mesmo com toda força dos programas sociais, Lula praticou uma política econômica neoliberal. A confirmar  podemos lembrar da reforma da previdência em 2003, cujo efeito político foi a expulsão dos membros de extrema esquerda do PT que se recusaram a votar sobre as reformas e que durante a administração Lula, os bancos e as grandes empresas brasileiras registaram lucros recorde. Isso não me parece coisa de comunista.  

 E que fique claro: se Lula fosse comunista não haveria nenhum problema, afinal foram os comunistas, ao lado dos capitalistas, que derrotaram o nazismo e o fascismo na II Guerra Mundial.

 Contudo, é possível que nesse novo período na presidência Lula aprofunde as políticas sociais, mas não haverá ruptura com o capitalismo, apenas as críticas típicas de um social-democrata cioso pela consolidação de um Estado de bem-estar social.

 Para fazer com que o meu amigo que vive em Salvador compreendesse que Lula não é comunista uso uma parábola.

 Jesus, usava as parábolas para que as pessoas compreendessem e vissem o que olhavam; uso a parábola como narrativa simples e breve, dotada de um conteúdo alegórico, com a finalidade de esclarecer.

 Vamos à parábola.  

 Quem é de Campinas, nascido ou não, já ouviu falar do Padre Milton Santana, pároco da Igreja Nossa Senhora de Fátima. Ele foi preso, torturado pela ditadura militar perdendo uma das vistas, pois ele acabara de submeter-se a cirurgia de catarata e apanhou muito.

 O Padre Milton foi acusado de ser comunista, um pecado mortal para os incivilizados apoiadores da ditadura e para seus lacaios. Eles queriam que ele denunciasse uma professora por supostos atos subversivos.  

 Ele negou ser comunista, afirmou-se cristão; disse que sua prática era aquela que cristo ensinou, que sua missão era pela justiça e pela liberdade para os pobres, afinal, Jesus esteve ao lado dos pobres, dos desvalidos e enxotados desde o seu nascimento; ainda ouço Padre Milton dizer: “Os verdadeiros cristãos devem seguir a Jesus de Nazaré mantendo em seus corações o desejo de servir e não de ser servido”.  

 Os gorilas do DOPS, o prenderam e torturaram cruelmente nas dependências da Escola de Cadetes.  

 Os torturadores diziam: “você oferece refeição para centenas de pessoas diariamente; aceita na sua igreja pobres, sindicalistas, moradores de cortiços, prostitutas, você abriu a igreja para grupos e alcoólicos anônimos, visita presidiários, doentes, ouve todos indistintamente; criou um ambulatório de puericultura; critica o exército e defende a liberdade de expressão; você é sim um comunista”. Em resposta Padre Milton teria dito: “se oferecer alimento a quem tem fome, acolher os miseráveis e os pecadores é ser comunista, então sou comunista; se operar para que cada pessoa tenha dignidade, emprego, casa, saúde e educação é ser comunista, então sou comunista.”.

 Seremos todos comunistas? Segundo a obtusa lógica dos gorilas e dos incivilizados que reproduzem estultices, ser sensível às questões sociais, manter a opção preferencial pelos pobres - uma das marcas mais singulares da Igreja latino-americana, cunhada a partir do Concílio Vaticano II -, faz de nós comunistas, sendo assim...

 Essas são as reflexões.  

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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