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Alfredo Attié

Doutor em Filosofia da USP, Titular da Cadeira San Tiago Dantas e Presidente da Academia Paulista do Direito, autor de Brasil em Tempo Acelerado: Política e Direito

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A Justiça no Brasil Democrático e a necessária participação popular nas indicações para cortes superiores

Seus membros seriam escolhidos com a participação e controle da sociedade. Sociedade que é a guardiã da vontade constitucional. Haveria também mandato

Fachada do STF (Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

“… O samba ainda vai nascer/ O samba ainda não chegou/ O samba não vai morrer…/ O samba é o pai do prazer/ O samba é o filho da dor/ O grande poder transformador.” (Caetano Veloso)


“... Uma república tem vida e fortuna mais longas do que um principado porque pode melhor se acomodar à diversidade das épocas, por causa da diversidade dos cidadãos que a compõem. Isso não acontece num principado, pois um homem sozinho está acostumado a proceder do mesmo modo, não tem capacidade de mudar seu comportamento. Por isso, convém que se arruíne quando ocorrem mudanças que contrariem esse seu hábito.” (Maquiavel)

1. No presente artigo, pretendo apresentar algumas sugestões para um projeto de justiça e de direito que se conecte com a construção democrática brasileira que se reinicia, a duras penas, em janeiro de 2023. 

Minha proposta é a de que essa justiça e esse direito devem assumir quatro características:  constitucionalidade e internacionalidade; transicionalidade e interseccionalidade. Em termos simples, direito e justiça devem se apegar à Constituição e a sua relação fundamental com o Direito Internacional; ao mesmo tempo, devem ser transicionais e interseccionais, quer dizer, buscar reconhecer e superar os erros que cometeram em sua história, por meio da criação de novas relações com outros saberes e práticas, concepções de mundo e experiências existentes na sociedade – muito embora afastados de cena por muito tempo - e contemplados no novo quadro de organização e coordenação do Governo Democrático.

Essas experiências e concepções de mundo afastadas da cena política e jurídica brasileira são as que pertencem ao povo. Não, porém, ao povo abstrato, referido com desdém nos textos dos juristas e dos cientistas políticos. Trata-se de reconhecer a existência e a presença de um povo concreto, em suas expressões, formas de comunicação e de relacionamento, reivindicações, produções, ou seja, em sua maneira de reconhecer e descrever nossa experiência social.

Desse modo, direito e justiça podem-se acoplar ao projeto democrático brasileiro, que se abre a uma nova fase. Fase que, de início, pode parecer mais difícil do que todas as outras pelas quais passou a construção democrática brasileira. Porém, tenho certeza de que, se forem adotadas as medidas corretas, reconhecidos e assumidos os valores mais importantes dos desejos democráticos, direito e justiça contribuirão definitivamente para que a democracia se torne algo mais palpável e duradouro em nosso País.

Vou discorrer sobre o momento crítico que ainda vivemos, referir brevemente suas causas, ressaltando como o direito e a justiça se fizeram responsáveis por essa crise.

A seguir, vou indicar caminhos de superação, refletindo do ponto de vista teórico e, enfim, apresentando propostas práticas.

O tema do presente artigo, portanto, é o projeto de justiça e de direito que considero desejável para o Brasil que, entre  tantos percalços, expressou querer sair do regime anticonstitucional que tomou conta do poder, a partir de 2015/2016 e, sobretudo, no curso do processo eleitoral ilegítimo de 2018, que terminou por, como resultado de uma eleição ilegal (pela presença de vícios da ordem de abusos econômicos, políticos e de manipulação de informações falsas – que se repetiram, em 2022), alçar o bolsonarismo à Presidência da República, acompanhado dos representantes das demais forças que, com ele, estabeleceram um pacto, para a invasão do espaço público brasileiro desse projeto antipolítico e antijurídico, numa palavra, anticivilizacional.
Quando nos sentíamos certos de que o processo de construção democrática, no Brasil, iniciado após o fim da última experiência ditatorial, entre 1985 e 1988, era via de mão única, deparamo-nos com a triste realidade de sua interrupção e com a tentativa de volta ao curso da usurpação permanente da colonização, exploração, dominação, opressão e ilusão do povo brasileiro (Ver: A Reconstrução do Direito: Existência, Liberdade, Diversidade. Porto Alegre: Fabris, 2003). Foi levada a cabo por um regime - que, desde seu advento, mostrou-se “anticonstitucional” - que veio a expor nua e cruamente o projeto de parcela substancial da elite brasileira, que apoiou, sem titubear, por conveniência para uns e convicção para outros, o curso de desenvolvimento da assunção ilegítima pela extrema-direita do poder do Estado.


Esse conjunto de forças, que buscou impor, e, até certo ponto, teve êxito, essa ordem anticonstitucional, era composto por bolsonarismo, lavajatismo, evangelicalismo (ou neopentecostalismo), militarismo (oficial e inoficial, este último o milicialismo), redessocialismo (ou fakenewsismo), e antiambientalismo (veja-se Brasil em Tempo Acelerado: Direito e Política, São Paulo: Tirant, 2021).
Nessa composição de forças do regime anticonstitucional, relevava o papel do direito e da justiça, e é essa faceta que gostaria de salientar aqui.


2. O lavajatismo foi, claro, uma expressão importante dessa coalizão anticonstitucional. Ele significou - e ainda significa, pois, seus representantes estão, hoje, no Congresso Nacional e continuam a ocupar postos relevantes nas profissões jurídicas públicas e nas Escolas de Direito - a militância antijurídica e antipolítica por membros dessas funções ou profissões. 


Não se trata, portanto, do tão falado ativismo jurídico, mas, isto sim, de um ativismo antipolítico do direito. Explico. A justiça, como instituição, isto é, o Poder Judiciário (que envolve não apenas juízes e juízas, mas outras carreiras públicas, de maior ou menor protagonismo social, como procuradorias, promotorias, defensorias, advocacias públicas, cartórios judiciais e extrajudiciais, etc.), sempre, age de modo político. Age no espaço público, fazendo interpretar e aplicar o direito oficial - aquele que é votado nos Parlamentos ou é posto pelas instâncias administrativas do Estado. 

Para isso, os agentes desse Poder sempre sopesam, consciente ou inconscientemente, a relação entre esse direito oficial (normas legais ou administrativas) com um direito tido como inoficial. O inoficial sempre contextualiza a aplicação do oficial, muitas vezes contrapondo-se, outras, sobrepondo-se a ele. O direito inoficial é esse que vivemos todos os dias, em todos os lugares, que envolve nossas atitudes, nosso modo de ver e tratar os outros.

 Suas fontes são as forças que agem no interior da sociedade, criando poderes que reconhecemos, mas não nominamos. Poderes impostos por relações de desigualdade econômica e social, que buscam sempre prevalecer e se naturalizar na forma de costumes ou regras de conduta. Nos países de alto teor de pobreza e de desigualdade, tanto o direito oficial quanto o inoficial resultam dessa dissimetria de forças, tendendo o direito inoficial a sobrepujar o oficial e mesmo influenciar decisivamente sua composição. Contudo, o direito oficial é sempre o resultado de um conflito entre os que possuem poder ou privilégio por antecipação e os que nada ou muito pouco possuem e lutam por reconhecimento e capacidade de fazer valer o que vão constituindo como seus direitos. No âmbito do oficial, ao menos em teoria, é possível encontrar instâncias de mediação desse conflito, que permitem um equilíbrio, que raramente se aproxima da perfeição, muito menos é seguro e permanente.


Uma dessas instâncias de mediação é o Judiciário – mas é a mais frágil e vulnerável de todas. O sopesamento que faz entre oficial e inoficial é sempre variável e tendente a favorecer as instâncias de poder e privilégio estabelecidas. Entre outras razões, porque seus agentes são amealhados não propriamente entre as elites, mas entre aquelas pessoas que as têm em alta conta. Logo se põem a seu serviço, em nome de determinados valores tidos como relevantes, neutros e intangíveis, como a estabilidade das relações econômicas e a segurança das relações sociais. 

Quando falo desses valores, estou já salientando a influência que possuem sobre aquilo que deveria ser tido como jurídico propriamente. Vejam, portanto, que a economia e algo como a cultura social predominam sobre o direito e a justiça. Essa economia do privilégio e esse poder social da desigualdade contrapõem-se ao direito e o subjugam. São fatores, em si mesmos, anticivilizacionais, de destruição de vínculos políticos e jurídicos. Separam por categorias - racializam a sociedade - a pretexto de impor uma racionalidade, que beneficia poucos em detrimento de muitos.

Entretanto, não devemos ser nem fatalistas nem pessimistas. Essa variabilidade da instituição judicial não é um destino nem se mostra estrutural. Pessoalmente, não vejo nada como estrutural, no que se refere à vida política e jurídica das sociedades. Se houvesse uma estrutura fundante, não haveria modo de mudança. E a história das sociedades demonstra exatamente que a mudança é a regra e não a exceção. Os conflitos dão-se entre pessoas, reunidas ou não eficientemente em classes e outras categorias. Portanto, o que é fundante numa sociedade é a prática dessas relações e o discurso que se faz em torno dessa prática. É possível mudar e introduzir práticas e discursos alternativos graças ao modo como agimos ou, melhor, interagimos.

Isso significa que a política e o direito contam muito mais do que imaginamos ou estamos dispostos a reconhecer. A sociedade sempre produz práticas e discursos novos, que alteram os códigos, ou seja, a linguagem por meio da qual descrevemos as relações que temos entre nós mesmos e entre nós e a natureza, isto é, entre pessoas, e entre pessoas e coisas. 

Quando digo, portanto, que é possível estabelecer um projeto de justiça e direito, falo precisamente de trabalhar com esse jogo de desejos, paixões, ações e razões de interagir.

Mas a análise do direito e da justiça não se pode limitar a criticar o lavajatismo, muito menos em nome, exclusivamente, do garantismo (penal), que seria seu antípoda. Essa perspectiva - que tem tomado conta dos noticiários da grande imprensa, sobretudo para analisar pretensas candidaturas e nomeações a novos ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal – é muito estreita, mesquinha, mesmo.


Já pelo modo como fiz abordar a questão acima, pode-se perceber que a questão fundamental de um direito e de uma justiça democráticos não se restringe a esse embate entre ativistas e garantistas. Mesmo porque por ele não passa a mais importante questão, que é precisamente pensar e praticar a democracia, por meio do direito e da justiça, que seja constitucional e internacional; transicional e interseccional.

Eu me pergunto mesmo por que insistir nessa concepção mesquinha do Supremo Tribunal Federal como instância do direito penal (e, também, do direito administrativo), em vez de pensar em resgatar sua função precípua – no meu entender expressa nesses quatro aspectos. 

Para empreender a reforma e melhora da questão penal terrível brasileira, há outros tribunais sobre os quais se deve agir seriamente: o Superior Tribunal de Justiça – sobre o qual pouco se fala, mas se mostra essencial – sobre ele existe um véu de inviolabilidade, que esconde a maneira como se dá a atuação decisiva das profissões jurídicas, como intermediárias da inoficialidade que acima referi. Assim como os tribunais federais e estaduais, que são objeto de uma crítica vazia e mesquinha da grande imprensa, que passa apenas sobre questões corporativas – nocivas, indiscutivelmente -, e não toca as questões de formação de julgadores, de composição, de modos de amealhar membros e de conduzir processos de decisão. Passa também pela rediscussão da própria existência de uma justiça militar – federal e estadual – para julgar questões de segurança pública, segurança que tem ou deveria ter caráter civil e ser compreendida do ponto de vista cidadão. 

Nessa crítica que faço está incluído o modo como são escolhidos e nomeados – em candidaturas afastadas do olhar público, juízes e juízas de todas as instâncias. Pouco se discute isso, que é deixado de lado, sob a justificativa de se tratar de assunto de especialistas – que não existem, diga-se de passagem. Isso torna o jogo da justiça amplamente maleável à inoficialidade e, portanto, pouquíssimo republicano, enfim, refratário à própria constitucionalidade.

3. Um projeto de justiça e de direito deve discutir isso e muitos outros assuntos relevantes para a vida pública e para a afirmação da cidadania.

A Constituição diz – e não poderia deixar de dizer - três coisas de extrema relevância, no que nos interessa, aqui:

a) que “todo o poder emana do povo, e é exercido “diretamente” ou por meio de “representantes eleitos,” e que são poderes “o legislativo, o executivo e o judiciário;
b) que a “cidadania,” a “dignidade da pessoa humana” e o “pluralismo político” estão entre os “fundamentos” daquilo que são o “Brasil” e seu regime constitucional - o “Estado Democrático de Direito -,” cujos “objetivos fundamentais” são construir uma “sociedade livre, justa e solidária,” erradicar a “pobreza e a marginalização,” promover o” bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;


c)  e que, no âmbito das “relações internacionais,” prevalecem os “direitos humanos’” a “autodeterminação dos povos,” a “defesa da paz,” a “solução pacífica dos conflitos,” o repúdio ao “terrorismo e ao racismo” e a “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.


Nesses três itens – que foram descumpridos, integral e criminosamente, pelo governo anterior –, está resumida a adesão absoluta da Constituição às ideias que referi como constitucionalidade, internacionalidade, transicionalidade e interseccionalidade.

O povo brasileiro é o verdadeiro artífice de sua Constituição, e seu guardião, seja diretamente, seja por meio de seus representantes, que estão sujeitos a essa enunciação constitucional, que é um vínculo interno com o povo que autoriza essa representação, mas também internacional, cujas relações são entendidas não apenas como entre Países, mas, sobretudo, entre Povos.  Há dispositivos de Tratados Internacionais que são praticamente repetidos no texto que citei entre aspas nesses três itens. Eles remetem a uma sociedade política internacional, que une os povos por direitos, deveres e políticas públicas, dentre as quais se destaca a de realização da justiça por meio do direito. 

O Poder Judiciário é o instrumento dessa política pública, sujeita à constitucionalidade e ao direito internacional. Se é que não é propriamente a expressão dessa política pública. 

Ou, melhor, em nosso País, deveria ser, ainda não é. Ainda não se adequou ao que dizem a Constituição e os Tratados Internacionais. Seus membros ainda não se adaptaram a isso. Como a imensa maioria dos juristas brasileiros e brasileiras, continuam a falar do alto de suas cátedras – nas Universidades, nos Tribunais, nos Escritórios, nos Gabinetes. Em suas manifestações oficiais e inoficiais à imprensa, fazem-se de professores e professoras, presunçosos de sua posição – especular, autorreferente, autorreivindicada – de educadores e educadoras do povo, de vanguarda intelectual. Na verdade, usurpam o que pertence ao povo, isto é, saber e poder decidir o que é o destino comum.

Essa inadequação de nosso Judiciário o torna, além de presunçoso e usurpador, inautêntico. Abrange, como disse, não apenas juízes e juízas de todas as instâncias, mas advogados e advogadas, procuradores e procuradoras, defensores e defensoras, promotores e promotoras, funcionários e funcionárias, etc. - salvo honrosas exceções - que tomam a representação pelo que não é.

Um projeto de justiça e de direito precisa construir essa autenticidade de um poder que, em sua origem e em seu fundamento, pertence à sociedade e não ao Estado, muito menos pode participar da função de governar, quando sua principal função é de controlar o poder – onde quer e sob que forma se apresente.

4. Não estou, aqui, endossando a crítica vazia da extrema-direita aos atos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, tomados quase no apagar das luzes do governo anterior, ou durante a gestão delicada da pandemia, em que aquele regime anticonstitucional, liderado pelo bolsonarismo, cometeu os seus mais graves crimes contra a humanidade e de genocídio, equivalentes ao que fez diuturnamente contra os povos indígenas, negros, periféricos e lgbtqia+.

O que estou dizendo é diferente. Que o Poder Judiciário e as profissões do direito, em nosso país, foram concebidas e construídas de modo equivocado e contra a democracia. Que a educação e a prática do direito, as profissões jurídicas e sua prática, e o poder judicial se tornaram exclusivos e excludentes em sua formação, e vocacionados a exercer uma função meramente administrativa e não constitucional, de auxiliares da função de governar, afirmando, sem base, que estariam tão somente aplicando princípios e regras – afirmação até mesmo falsa, na medida em que esse caráter positivista do Judiciário e da profissão do direito em nosso País jamais existiu.

5. Sobre o que afirmei até aqui, faço quatro primeiras sugestões práticas:

1ª) Para as questões penais, hoje de competência do STF, seria importante que deixassem esse tribunal e fossem postas na competência do Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, como função de uma nova Câmara, que seria criada e teria seus membros escolhidos no presente momento, em que o Governo Democrático teria a oportunidade e o dever de escolher juristas, sob o critério de representação da diversidade do povo brasileiro, que se tenham mostrado garantistas no curso de sua atuação profissional. Isto é, pessoas que tenham reconhecidamente compromisso com a Constituição e não com pautas próprias e ilegítimas – como foi o caso dos integrantes do lavajatismo.


Uma nova Câmara, e não simplesmente redistribuir os processos entre as existentes, simplesmente porque essas falharam mais de uma vez em fazer garantir os mandamentos constitucionais. Veja-se, por exemplo, o caso extremo, mas indicativo de uma cultura dissociada da Constituição: o julgamento do Presidente Lula, em que a defesa por mais de uma vez alegou as teses que, após várias decisões inconstitucionais e o cometimento de uma injustiça inaceitável, de que decorreu uma prisão por quase dois anos, vieram a ser finalmente declaradas pelo STF, que, só então,corrigiu sua própria falha, na adesão ao lavajatismo, que, lamentavelmente, ainda permanece presente.

2ª) Para atuar como coadjuvante na realização da função de Governo – portanto, para assumir as funções de ordem administrativa ainda presentes e, de certo modo, predominantes na cultura do STF - que seja criado um Conselho, que passará a apreciar, de modo consultivo e contencioso, a legalidade dos atos governamentais, aí incluídas as questões parlamentares, e a mediar os conflitos entre Poderes Executivos e Poderes Legislativos das três esferas da federação brasileira, bem como os conflitos que envolvam as competências dessas três esferas.  Um conselho administrativo que seja equidistante e externo ao Executivo e ao Legislativo, mas que conte, em sua composição com a participação desses poderes, inclusive dos poderes executivos e legislativos estaduais e municipais. Administrativo e não judicial, mas dotado das garantias dadas aos juízes, a exemplo do que ocorre com a Justiça eleitoral, cujas funções são amplamente administrativas e contam com o protagonismo judicial, exatamente em razão da necessidade de garantias para a boa administração do processo eleitoral brasileiro. Penso não apenas na Justiça Eleitoral, mas igualmente nos chamados Tribunais de Contas, sendo desenhada, porém, maior autonomia, de forma a assumir as competências do STF, em sua maior parte, funções auxiliares de governo, e não de autêntico controle.

3ª) Para o STF, especificamente, penso na necessidade de sua reconstrução como tribunal constitucional. 

Em primeiro lugar, no desenho de sua competência e, aliado a esse desenho, na estipulação do processo de controle de constitucionalidade.

O STF passaria apenas a julgar questões de controle de constitucionalidade, e o faria com exclusividade ou monopólio, seja em último grau, conhecendo de recursos de constitucionalidade de decisões de outros tribunais, inclusive dos chamados tribunais superiores da justiças especializadas, seja incidentalmente, devendo qualquer juízo, em qualquer instância, encaminhar as questões de constitucionalidade para sua apreciação, sempre definitiva.

Quanto a seus membros, seriam escolhidos com a participação e controle da sociedade. Sociedade que é a guardiã, em última instância da vontade constitucional. Os mandatos seriam de oito anos, vedada a recondução, sucessiva ou não.

4ª) O Judiciário e as funções e profissões jurídicas públicas, incluindo Ministérios Públicos, Defensorias, Procuradorias, Advocacias Pública e Polícias Judiciárias passariam a estar sujeitas a controle externo, cuja ideia e cujo valor original devem ser resgatados.

Os Conselhos atuais perderiam a atribuição de centralização administrativa desses órgãos e justiças, que passaria a um setor único, que se encarregaria de receber os informes dos tribunais e órgãos de administração das profissões jurídicas, reunindo-os e divulgando-os à avaliação da opinião pública e para a realização de controle pelos Tribunais de Contas.

Igualmente, outras funções exercidas por esses órgãos, de natureza diversa daquela de controle externo, passariam a ser desempenhadas por agências próprias do Estado/Governo, voltadas ao desenho e desenvolvimento de políticas públicas. Nesse sentido, refiro, por exemplo, as atribuições do Conselho Nacional de Justiça atinentes aos chamados meios autônomos de solução de conflitos e controvérsias.

Haveria, portanto, a atribuição desse único Conselho de realizar um autêntico controle ou fiscalização. Para que assuma essa função, a autonomia deve ser garantida, sobretudo na mudança de sua composição, que até pode contar com um número pequeno de representantes das funções públicas do direito, mas deve ser constituído com membros externos, efetivamente escolhidos por critérios democráticos. 

O controle externo será um mecanismo de aferição da regularidade do desempenho da política pública da justiça, acessível à participação e à fiscalização da sociedade.

Se essa for a concepção do controle externo, pode-se admitir mesmo que nenhum conselho ou órgão seja necessário, bastando que esse mecanismo funcione, por exemplo, no interior do Parlamento, com a participação da sociedade, por meio de um conselho popular.

6. Limitei-me, aqui, a falar de alguns dos temas importantes para uma concepção de justiça e de direito constitucional, internacional, transicional e interseccional.
Num próximo texto, vou tocar em outras questões, como a da reconfiguração da composição do Judiciário e das funções jurídicas públicas, bem como na expressão de seu funcionamento, tratando dos métodos de solução de conflitos, visando a entender como uma política pública de justiça pode e deve ser desempenhada para não só atender a tais critérios de constitucionalidade e internacionalidade; transicionalidade e interseccionalidade, mas para que seja digna de uma visão autêntica de democracia, própria a um Governo que se empenha diuturnamente para isso, e tem capacidade de realizar tais ideais.

 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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