Os sentidos do lulismo
No livro com este título, André Singer, mesmo sendo ex-porta-voz presidencial, se mantém como observador científico dos fatos e tenta explicar o fenômeno que afirma ter surgido nestes 10 anos
Indispensável para compreender a política atual, o livro com esse título é uma aula de ciências sociais, descrevendo "uma revolução epistemológica para a qual ainda não dispomos das ferramentas adequadas". Escritos pró e contra os governos dos últimos 10 anos costumam ser superficiais, ou tendenciosos. André Singer é uma exceção a essa regra: mesmo sendo ex-porta-voz presidencial, se mantém como observador científico dos fatos, cujos sentidos tenta interpretar. Reconhece conquistas sociais mas não nega o caráter populista do fenômeno que descreve como tendo surgido nestes 10 anos, o lulismo.
Coloca em discussão a ambiguidade dessa política, reformista e conservadora ao mesmo tempo. Elege dois momentos significativos para demonstrar sua tese, as eleições de 1989 (que Lula perdeu para Collor, em quem os mais pobres votaram) e a de 2006 (reeleito, já com o apoio do "povão"). Singer conclui que o lulismo produziu um "realinhamento eleitoral" de uma "fração do subproletariado" cronicamente empobrecido e que tradicionalmente votava em candidatos mais à direita (como ocorria com Maluf, em São Paulo).
A conquista eleitoral é retribuição à política de redução da pobreza e reativação do mercado interno, sem confronto com o capital. Por isso, "o reformismo lulista é lento e desmobilizador, mas é reformismo". Para os intelectuais, "o que torna difícil avaliar o curso, fazendo pensar em retrocesso, é que se esperava um programa intensamente reformista... Isso teria levado à radicalização, como queria a primeira alma do PT", observa.
A "despolitização" seria aparente, pois o que mudou foi o eixo da polarização, antes entre direita e esquerda, agora entre ricos e pobres. Estes, em sua maior parte, são conservadores, não participando dos movimentos sociais, preferindo a estabilidade e desejando que o Estado propicie políticas de inclusão, geração de empregos com carteira assinada.
Quer dizer, os eleitores mais pobres querem mudanças dentro da ordem, rejeitando a esquerda tradicional, e foi essa a grande "sacada" do lulismo. Já as classes médias que em 89 apoiavam Lula mudaram de lado e agora criticam os programas sociais do governo, tidos como paternalistas. Haveria até um desconforto com a ascensão social que precarizou a oferta de mão de obra doméstica, uma das hipóteses de Singer.
Ocorre que a "fração do subproletariado", bem maior que as classes médias, é numerosa o suficiente para decidir eleições. Daí o projeto de longo prazo do lulismo, agora enraizado nessa camada da população – o que não se via desde Vargas. Conclui Singer que o projeto lulista "cria uma ilusão de estagnação (dos movimentos sociais) para na realidade, promover modificações em silencioso curso". Enfim, uma estratégia política tão sutil que o intelectual de esquerda não a reconhece, mas não tão sutil que não possa assustar o mais conservador, que – sempre atento – a veja.
Artigo publicado originalmente no portal Sul 21
