Fascismo nunca mais
Abre-se a possibilidade de que o bolsonarismo seja substituído por uma direita civilizada. Cabe também à burguesia sopesar o erro que cometeu ao normalizar e se aliar ao monstro
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem de declarar a inelegibilidade por oito anos do ex-presidente Jair Bolsonaro, medida de todo inédita para um ex-ocupante da cadeira presidencial do Brasil. Essa decisão, tomada por maioria de 5 votos a 2 daquela alta corte, assesta duro golpe para as pretensões da facção de extrema-direita que, com requintes de barbaridade, governou o país de 2018 até o fim do ano passado.
A medida foi tomada com base numa Ação Judicial de Investigação Eleitoral, movida pelo Partido Democrático Trabalhista, apontando graves irregularidades cometidas durante a campanha eleitoral de 2022.
O foco da ação concentrou-se numa reunião oficial convocada por Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, já durante o período eleitoral, com embaixadores estrangeiros. Naquilo que foi na verdade um monólogo, Bolsonaro reafirmou, sem nenhuma base na realidade, acusações contra o sistema eleitoral brasileiro e atribuiu condutas vilipendiosas às autoridades encarregadas de organizar e fiscalizar o pleito. A mera existência da reunião em si caracterizou abuso do poder político do ex-presidente da República.
Ademais, sua transmissão pela TV Brasil, emissora pública, representou uso indevido dos meios de comunicação para a difusão de mentiras, como ressaltou o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, e propaganda com fins eleitorais, o que é vedado pela legislação. Ambos os crimes resultaram na condenação de Bolsonaro.
Essas práticas são extremamente danosas ao processo democrático, uma vez que distorcem a igualdade de oportunidades entre os candidatos e comprometem a liberdade de escolha dos eleitores.
A condenação de Bolsonaro é um passo importante no sentido de manter a integridade do sistema eleitoral, proteger sua imagem junto à população em obediência aos princípios da transparência e lisura nas eleições.
Desde o início de sua trajetória política, Jair Bolsonaro atribuiu a si mesmo a condição falaciosa de agente de mudança, prometendo governar em prol da população. No entanto, ao longo de seu mandato como presidente, ficou mais evidente que suas ações e comportamentos foram contrários a essas promessas. A declaração de inelegibilidade é uma resposta necessária para responsabilizar um presidente que agiu de forma incompatível com os valores democráticos e os princípios éticos esperados de um ocupante do mais alto cargo público.
A inelegibilidade por oito anos imposta a Jair Bolsonaro é uma medida proporcional e necessária. Envia uma mensagem clara de que nenhum candidato está acima da lei e que as regras eleitorais devem ser respeitadas por todos, independentemente do cargo que ocuparam.
É importante salientar que o tribunal não deixou de levar em conta o “conjunto da obra” de Bolsonaro. Sua atuação foi sempre a de contribuir para acirrar os ânimos da opinião pública contra o sistema eleitoral e o resultado das urnas.
Essa campanha, como ressaltou em seu voto o ministro relator do caso no TSE, Benedito Gonçalves, se insere no contexto de uma escalada golpista. O descrédito incabível do resultado das eleições resultou em bloqueios de estradas, acampamentos diante de quartéis pedindo ditadura militar, invasões de delegacias, incêndio de veículos e a invasão e vandalismo selvagem dos prédios das sedes dos três poderes em Brasília.
A punição, portanto, é uma resposta das instituições a quem esteve à testa de uma escalada de eventos destinados a exercer vontade opressora sobre processo sagrado do regime democrático, as eleições. Foi punida junto a ideia subjacente de que se pode alardear ou pela violência impor um golpe de Estado caso as urnas contrariem os desígnios continuístas de quem quer que seja.
Venceu portanto a democracia.
Com a eliminação de Bolsonaro das eleições até 2030, espera-se que também o protagonismo selvagem da extrema-direita passe para um estado qualitativamente inferior. Além dos inaceitáveis 700 mil mortos na pandemia de Covid-19, o país teve que conviver com um cardápio de decisões criminosas, a promoção permanente de todo tipo de mentiras e declarações caluniosas, a reintrodução de um ideário de celebração da ditadura militar de 1964 que se julgava superado.
Agora abre-se a possibilidade de que o bolsonarismo seja substituído por uma direita mais civilizada ou que ele mesmo venha a ruminar as consequências de sua ação e se transformar. Muitos de seus seguidores radicais estão investigados, processados ou condenados. Seu principal líder amarga não apenas a inédita derrota eleitoral, como agora a inelegibilidade, sem mencionar os processos criminais que tem pela frente e que podem resultar até mesmo em prisão.
Caberia também à burguesia brasileira e a seus representantes políticos da direita mais tradicional sopesar o imenso erro que cometeram ao normalizar o monstro e finalmente se aliar a ele. Sem o apoio de grandes empresários a barbárie não teria prosperado. Ainda está por acontecer uma autocrítica definitiva, por ações concretas, que faça virar a página de mais este flerte do poder econômico com o autoritarismo.